
Antes
os brasileiros eram vistos apenas como descendentes de índios da Amazônia... Pensavam
que aqui só existia Carnaval e a nudez era um dos nossos hábitos. Era comum nas
fábricas, me perguntarem se no Brasil eu usava roupa ou se tinha geladeira, TV...
Outras vezes, em encontros de confraternização onde a culinária era o ponto alto,
me perguntavam se comíamos só raízes. O absurdo era evidente e só fui
compreender porque ocorria quando comecei a prestar mais atenção no que a TV japonesa
falava sobre temas brasileiros.
O
que também parecia pesar muito negativamente se relacionava às imagens do
início do século XX, quando os primeiros imigrantes japoneses se embrenharam
nas selvas e fazendas, desbravando o interior do Brasil em busca de melhores
condições de vida. Era compreensível a visão parcial que tinham do nosso país e
do seu povo. O curioso era também que os decasséguis tinham quase as feições
dos nossos índios com olhos puxados. Isso gerou muita confusão sobre a nossa
ascendência japonesa.
O
Brasil era alvo de interesse devido à peculiaridade da Amazônia e a diversidade
dos povos indígenas. Esse era o ponto positivo que via neles, o de aprender
sempre.
Quando
cheguei ao Japão, em 1990, uma das primeiras cenas que me chamou a atenção foi a
dos jogos de futebol que passavam na TV, uma prática esportiva nas fábricas, escolas
e universidades. Com todo o meu respeito, era como assistir aos jogos de pelada
em campos de terra batida. Se num lance era cômico ver chutões e depois 20
jogadores embaixo esperando a bola descer, noutro ficava impressionado pela
velocidade e resistência que eles tinham durante o jogo inteiro.
Nos
jogos que fazíamos com times da fábrica em Toyohashi que envolviam ingleses,
alemães, japoneses e brasileiros, ficava surpreso com a capacidade que tinham
de acreditar que podiam alcançar uma bola considerada perdida (pela distância),
mas alcançavam e dominavam a bola. Era como assistir um anime, pareciam ter
turbinas nas pernas. Desde então, os japoneses passaram a ter o meu respeito
pela disciplina, determinação e dedicação. Eles sempre acreditaram em algo.
Quando
o Zico foi para o Japão em 1991 para jogar no time de uma fábrica ao norte do
Japão ocasionou um divisor de águas no futebol japonês. De amador se tornaram
profissionais. Aprenderam rápido com os jogadores brasileiros que desembarcaram
em solo japonês. E o mais belo movimento que ocorreu com a ida do Zico foi a
surpreendente descoberta dos japoneses sobre o que era o Brasil.
Assim
que se tornou um ídolo no Japão, a vida do jogador Zico despertou um mar de
curiosidade e os japoneses queriam saber quem ele era. De onde tinha vindo e
como era a sua vida antes de mudar para o Japão. Foi quando surgiram os documentários
sobre o Rio de Janeiro, as pessoas e a casa do Zico no Brasil. Viram como era o
campeonato brasileiro de futebol e passaram a conhecer as capitais brasileiras
e o nosso povo tal como era de verdade.
Tudo
mudou, os japoneses ficaram chocados com a realidade do Brasil. Perguntavam se
nossa casa era como a do Zico, se nossa cidade era igual a dele e assim por
diante. A visão que era limitada se expandiu de forma surpreendente. Os
japoneses estavam redescobrindo o Brasil.
De
uma visão somente do interior da floresta amazônica passaram a admirar “o novo
Brasil” até então desconhecido por eles e ficavam maravilhados com o tamanho de
uma casa brasileira que ocupava um espaço muito maior que os arrozais deles.
Perceberam a dimensão do Brasil, conheceram a história, cultura e tradição do
povo brasileiro.
Os
empresários faziam muitas perguntas, questionavam a economia do Brasil e se
espantaram ao conhecer a Embraer, a Engesa, a Estação de Lançamento de
Alcântara, as indústrias brasileiras, inclusive as automobilísticas que para
muitos foi algo chocante. A partir destes fatos, muitos “Shachôs” (presidentes
de empresas) passaram a visitar o Brasil junto com seus funcionários brasileiros
durante as férias.
O
pentacampeonato do Brasil ocorrido na Copa do Mundo no Japão e Coréia em 2002 foi
a nossa consagração em solo japonês. Para quem tinha chegado antes da
profissionalização do futebol japonês, ver o país sediar uma Copa e observar a sua
seleção em crescente desenvolvimento com uma “mãozinha dos brasileiros”, era
encantador e consolidava o respeito dos japoneses aos brasileiros, comprovando
que não era só nas fábricas que os brasileiros se destacavam. Atualmente, há
muitos ex-decasséguis que se tonaram empresários e fundaram suas próprias
empresas em solo nipônico.
Se
de um lado tenho uma paixão pela Seleção do Japão, do outro tenho um amor
imenso pelo Brasil que também é o país onde nasci nesta vida atual... Tenho orgulho de ser brasileiro.
Gambarê
Nihon!
Shima.
Namastê.
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